Por Carlos Guerra Júnior
Como já disse Renato Russo em uma de suas canções, “É tão estranho, os bons morrem jovens”. Hoje trago a vocês um relato feito por Carlos Guerra Júnior que ressalta quem foi a pessoa de Paulo Junior dentro e fora dos campos de futebol. Agradeço a oportunidade de postar este texto tão cheio de detalhes e particularidades. Minhas sinceras condolências a família e que Deus o tenha recebido em seus braços Paulo Junior.
Todos nós nascemos sabendo que um dia iremos partir. E, ao final, vamos ter a certeza de que o tempo foi curto. Então, a nossa missão é fazer valer cada minuto. Paulo Júnior era consciente disso e foi sábio. Aproveitou cada minuto dos 33 anos de vida, antes de partir neste dia 02 de fevereiro de 2018.
Paulo deixa mais de 100 gols na carreira, mais de 1000 grandes amigos nessa vida, mais de 10000 motivos para nunca ser esquecido.
Dizem que vivemos em tempos líquidos, onde as relações logo se evaporam e as amizades são todas passageiras. Paulo Júnior contraria isso e sempre guardou consigo os amigos de infância. Assim como os amigos do Colégio das Irmãs, da rua em que morava, dos tempos que jogava vôlei, das categorias de base do futebol, dos times que passou, das pessoas que ia conhecendo, etc. Ele sempre foi um colecionador de amizades, devido a boa energia que transmitia e essa energia era sempre duradoura.
Prova disso é que marcava anualmente um encontro com a Galera do Pão, um grupo de amigos formado quando ainda era garoto. Prova disso é que quando chegava de férias do futebol asiático a sua mala era cheia de camisas para os amigos. Fazia questão de presentear um a um e todos levam o nome “Paulo†nas costas, com muito orgulho. E até quem não o conhecia, de vez em quando, também saia presenteado, pois ele não conseguia ver ninguém com cara de “pidãoâ€, que já se comovia. Já fui testemunha disso!
PJ também sempre procurava passar bons ensinamentos para cada pessoa da sua família, ensinar valores importantes e transmitir excelentes energias. Nem os momentos mais difíceis abatiam esse ser humano fantástico e, por isso, todos os familiares agradeciam a sorte de serem da família do “moral dos moraisâ€.
Paulo Júnior nunca esqueceu quem foi importante para a formação dele. E, por isso, buscava ajudar outras pessoas a terem essas mesmas oportunidades. E ele sempre fez tudo de puro coração. Não tinha essa de ajudar as pessoas para aparecer na foto. Vou contar uma coisa: já até levei bronca dele, mas apenas uma vez. Vou confessar só para as pessoas saberem quem é Paulo Júnior, o PJ Artilheiro. Fui assessor dele por cerca de quatro anos e queria fazer uma matéria sobre as doações de material esportivo, para times amadores. E ele ficou irritado, disse que não se podia fazer marketing com o que se doa de coração.
A sua sinceridade em transmitir as coisas boas também foi muito importante para que ele pudesse dar uma palestra sobre a realização do sonho de ser jogador de futebol. Não era uma palestra técnica, mas uma oportunidade para que cada garoto acreditasse em si, quando a maioria não estava disposto a isso. Foi um relato de vida e tanto!
Ele também era consciente de que o sonho de ser jogador de futebol só é realizado com muita dedicação. Por isso, tinha uma vida regrada fora das quatro linhas e treinava mesmo quando estava oficialmente de férias.
Em tempos onde as relações no trabalho são cada vez mais profissionais e cada vez mais frias, Paulo Júnior sempre trazia alegrias e esperança de dias melhores. Enquanto eu já estava de saco cheio do mundo profissional formal, eu me agradava a cada palavra que digitava nas matérias sobre ele. Fazer as notícias de PJ era sempre prazeroso, pois ele me tratava como um irmão e a maior preocupação dele era saber se eu estava satisfeito em fazer esse trabalho. Ele sempre foi muito grato por tudo. E sempre foi irmão, de nunca deixar na mão. Eu só tive a oportunidade de assistir a um jogo do Barcelona, porque ele me presenteou, por saber da minha paixão pelo futebol. Além disso, as notícias que sempre tive sobre ele foi de passar excelentes referências minhas e torcer muito por mim.
Cada gol dele, eu comemorava como sendo meu, do meu time e até mais do que isso. Podia ser no horário que fosse, eu fazia questão de assistir o narrador em árabe, quando eu só entendia “Pauloâ€, “Pauloâ€.
E ele foi um gigante! PJ deixou a sua marca, por onde passou. Saindo ainda das categorias de base do Baraúnas, ele superou a desconfiança que é dada a quem está começando e deu o pontapé inicial para a história mais bonita que o futebol de Mossoró já viu. Ele marcou dois gols que foram decisivos para a primeira classificação do Baraúnas na Copa do Brasil. Primeiro, foi decisivo na vitória por 2 a 1 contra o América Mineiro, que iniciou a campanha histórica na Copa do Brasil de 2005. Depois, marcou na decisão por pênaltis no jogo de volta.
Os mesmos dois gols o levaram ao futebol francês, ainda com 20 anos. E lá, ele continuou esse legado na bola. Abraçou de vez o caminho do futebol, depois de pensar em ser engenheiro e foi marcante, foi artilheiro por onde passou. Cabeção, era especialista nas bolas aéreas e nos saltos aéreos na carreira.
Emirados Ãrabes (Al-Dhaid, Dibba Fujairah, Fujairah e Al-Oroba), Omã (Al-Nahda) e Bahrain (Al-Hidd) foram os lugares onde ele encantou com o seu futebol no Oriente Médio. Paulo Júnior marcou mais de 100 gols lá nas terras dos sheiks, além de ter conseguido várias artilharias, títulos e acessos.
Em uma dessas, Paulo Júnior deu uma sambada em nome de todos os brasileiros. Diego Maradona estava chegando com toda pompa como técnico Al Wasl, nos Emirados Ãrabes. Quando soube que o atacante do Dibba Fujairah era brasileiro, o argentino aproveitou para comemorar o gol do seu time sambado na cara daquele atacante. Mal sabia ele que aquele atacante se chamava Paulo Júnior. O Cabeção meteu dois gols e mostrou que quem samba por último, samba melhor. Ele foi lá e sambou na frente do argentino, comemorando os seus dois gols, que deram a virada ao Dibba.
Paulo Júnior estava bem no Oriente Médio, mas queria sair. Voar em outros espaços, provar que podia mais. Foi para Coreia do Sul, para um time que não sabia o que era vitória naquele campeonato e estava na última colocação. PJ estreou contra o líder e faltando 15 minutos para acabar a partida. Foi o suficiente para marcar o gol da vitória e trazer de volta a alegria para a torcida do Incheon United. Da forma mais sincera, Paulo foi abraçar os sul-coreanos como se fossem os seus amigos de Mossoró. O técnico não gostou e travou o andamento do craque no time, pois Paulo logo tomou o lugar de destaque e de querido da torcida.
Essas coisas de ciúmes e trairagens são recorrentes no futebol, mas PJ não se metia nisso. Tinha sempre um coração grande e torcia até para aqueles que só pensavam no próprio umbigo. O desejo dele era apenas que as pessoas superassem a mesquinhes e pensassem grande, pensassem em crescer e pensassem sempre em frente. Nada de birras ou ressentimentos. O coração dele só permitia torcer para o melhor, até para quem desejasse o mal dos outros.
Paulo Júnior também tinha o sonho de voltar para o Brasil. Como fez carreira fora do seu país, queria provar que podia voar alto também na sua terra natal. PJ então chegou a vestir a camisa do Campinense e América de Natal, mas muito rapidamente. Foi então no Salgueiro que mostrou quem era o matador. Estreou pela Copa do Nordeste de 2015 contra o Moto Club e meteu dois gols, deu um passe e foi o melhor em campo. Homenageou a filhinha que estava para nascer e, de forma muito rápida, já estava no coração da torcida do Salgueiro.
PJ, porém, não teve como continuar mostrando o seu talento. Poucas semanas depois descobriu que estava com leucemia. Recebi a notícia em Portugal, através de um telefonema da sua esposa. Foi um pedido dele pedir para que eu escrevesse uma nota oficial, comunicando a todos, pois já que escrevi todos os momentos bons, poderia comunicar esse momento triste. Não tinha cabeça para isso, o mundo desabou para mim, pernas trêmulas e muito choro. Estava com medo de perder um irmão e os amigos buscavam confortar-me.
Me sentia mal por estar em Portugal e longe do irmão que a vida me deu. Raspei a cabeça em solidariedade, mas não era suficiente. Queria estar ao seu lado! Em um momento de férias minhas e de reta final do tratamento dele, eu consegui encontrá-lo. Paulo Júnior estava bem mais magro do que antes e a voz estava baixa. Era bem diferente do amigo forte que ia lá em casa, para fazermos o seu DVD. Mas isso era só fisicamente, pois descobri ainda mais uma qualidade dele: o seu lado motivador nunca acaba. Ele logo me convidou para o churrasco da reviravolta, dizendo que estava por vim e já começou a contar como seria.
Logo depois, Paulo Júnior descobriu que o transplante de medula da sua irmã dera certo. O meu sonho era voltar a vê-lo jogar profissionalmente novamente. Vê-lo no meu Baraúnas. Ele achava melhor não, pois já tinha passado dos 30 e seria muito esforço para poucos anos jogando. PJ então voltou apenas para o futebol com os amigos, no Maranata e depois para um campeonato amador, no Nogueirão. Nós comemorávamos cada golzinho nesses jogos, como sendo um gol de Copa do Mundo. Nós sabíamos que, para além do gol, estava em jogo a sua vida, a sua recuperação.
Ele também se preocupava com a recuperação dos demais, até mesmo de desconhecidos e, por isso, participou de campanhas envolvendo outras pessoas que passavam por problemas parecidos, sobretudo crianças.
Por onde passou no futebol, ele deixou uma legião de fãs e amigos, que ficou provado pela receptividade que lhe deram quando decidiu ser agente de futebol. Para mais do que fazer negociações entre jogadores e os seus antigos clubes, Paulo Júnior era homenageado em cada time que visitava nos Emirados Ãrabes. Os “sheiks†e fãs lembravam dos feitos dele por lá, da falta que fazia e da alegria de lhe ver recuperado. Por toda essa superação, acredito que ele era “O Fênixâ€, aquele que sempre se reiventa, e era esse o nome que queria dar para sua agência, mas ele preferia “PJ Sportsâ€.
PJ também não se preocupava apenas em negociar um jogador e tratá-lo como mercadoria. A preocupação dele era em dar um suporte completo na carreira do profissional. Suporte esse que lhe faltou e que falta para muitos outros. Os empresários muitas vezes só se preocupam com a comissão inicial e depois largam os jogadores em outro país, sem qualquer assistência. Se ele não tivesse uma cabeça tão boa, não teria conseguido tanto sucesso fora. Mas ele sabia que nem todos eram assim, por isso, queria dar a facilidade que não teve. Enquanto os demais só queriam saber de porcentagem e negociação, Paulo Júnior ia muito além. Queria ver o atleta bem, feliz e comprometido. Queria também ter a certeza de que o clube se agradaria com o atleta. Por isso, além do critério técnico, avaliava também o perfil e comportamento de cada jogador.
Paulo Júnior também assumiu a missão de ser gerente de futebol do Mossoró Esporte Clube na 2ª Divisão do Campeonato Potiguar de 2017. A preocupação dele não era apenas em subir um time de divisão. Paulo Júnior estava preocupado em reestruturar o futebol de Mossoró, cada vez mais abandonado. Por isso, estudou bastante para assumir essa missão. Preocupava-se em aplicar modelo de gestão, em ter profissionais competentes e dedicados e ter perfis de pessoas sérias. Fez o melhor que pôde, em uma campanha que foi perdida fora das quatro linhas.
Paulo Júnior descobriu a recaída da leucemia em novembro. A segunda vez foi ainda mais doloroso do que a primeira, pois não era mais recomendado fazer o transplante com a medula de sua irmã. Não tinha mais outro irmão compatível e só os irmãos poderiam doar diretamente. Fora do ciclo dos irmãos, é muito raro conseguir uma medula compatível. Ainda assim, ele lutou e acreditou até o último momento.
Ele também estava preocupado em transmitir boas energias para todos, como uma forma de lutar, acreditar e levantar a cabeça. Por isso, a sua última mensagem para mim, no dia 10 de janeiro de 2018, foi um “kkkkkkkkâ€. Isso mostra que ele estava sorrindo, buscando transmitir boas energias, mesmo sabendo da dificuldade em manter-se vivo. Ele mostrava preocupação em transmitir bons exemplos, sobretudo, para as suas crianças, uma vez que estavam em fase importante na formação da personalidade. Com isso, seria crucial receberem o que tinha de melhor desse paizão.
Depois disso, soubemos da hemorragia que estava passando e tivemos mais uma certeza de que a sua passagem na terra marcava a todos que o conheceu. Os amigos da imprensa faziam questão de divulgar, para que ele conseguisse as bolsas de sangue que precisava. Além disso, dezenas de pessoas encararam a viagem de Mossoró para Recife (540km), com o intuito de doar sangue para ele. Estavam todos nessa luta, para vê-lo conosco novamente e também para dar a oportunidade para outros conhecerem esse ser humano fantástico.
Paulo Júnior partiu! Paulo Júnior partiu sorrindo e é esse sorriso que quero lembrar. Foi rápida a sua estadia na terra, mas suficiente para deixar um grande legado e jamais ser esquecido.