O mês de setembro foi cheio de estreias esperadas para os amantes de terror. Entre Jogos Mortais 8, Anabelle e o aclamado It, A Coisa, estava o misterioso Mãe!, que por sua vez, vendeu-se como suspense e terror, causando uma impressão sombria em um trailer que remete ao satanismo macabro.
Mas calma! Não precisa temer. E eu falo por mim, que sou medrosa mesmo e não nego. O filme não tem nada de terror e até pouco de suspense, inclusive um dos destaques é a ausência de trilha sonora, que geralmente acompanha os grandes sustos do gênero. As músicas são quase inexistentes, trazendo um aspecto muito natural ao filme, que se sustenta basicamente com os efeitos sonoros das próprias cenas.
Sai estória assustadora, entra roteiro complexo. Se prepare para um filme não literal, feito em parábola. Desapegue do drama com bases na vida cotidiana e insira um pouco de representatividade e reflexão. O interessante, não é o temor causado e sim o incômodo e choque que muitas cenas trazem.
O polêmico diretor, Darren Aronofsky, conhecido pelos trabalhos de “Cisne Negro” e “Noé”, mescla suas obras antigas neste filme. Muitas cenas intensas envolvendo a protagonista Jennifer Lawrence, lembram as cenas perturbadoras vividas por Natalie Portman em Cisne Negro: planos fechados na atriz captando sua expressão intrigante e movimento corporal forte. No caso de Lawrence, vai da serenidade plena a agonia intensa em muitos momentos. De Noé podemos ver a simbologia bíblica permanente em todo o filme, não tão clara a princípio, mas indiscutivelmente presente e cada vez mais perceptível ao longo da trama.
Gosta de ir ao cinema para pensar? Então se joga, vai para discutir e refletir sua visão de mundo, suas referências, a moral da história. A vida tá pesada e quer algo mais leve? Então mira em Mãe! E segue o lado contrário.
Aqui acaba a crítica para quem não viu o filme e não quer spoilers. Daqui em diante, vou explicar para quem desejar entender melhor (qualquer coisa vai ver e depois volta ok?!).
Sopiler Alert!!!
Não é a toa que Darren é ativista das causas ambientais, já que a grande moral da estória gira em torno disso. O primeiro ponto a perceber é que os personagens não possuem nomes porque todos são figuras representativas.
Reparem que tudo começa com uma devastação e de repente surge à vida, a Mãe acorda procurando o seu amado. Em poucos diálogos percebemos bem que ela é a responsável pela casa, que ela construiu tudo e que o seu marido, Javier Bardem, é um escritor, um criador e mais para frente fica claro que ele é Deus. Com pouco tempo visitas começam a invadir o espaço da Mãe. A primeira delas, Ed Harris, seria o Adão e logo em seguida Michelle Pfeiffer, sua Eva. Os detalhes e referências começam sutis neste momento, vemos um ligeiro corte na costela do homem e logo depois sua esposa aparece, a representação de que ela surge de seu corpo. A provocadora Eva, causa um caos ao meio e desrespeita o paraíso do criador, quando ela quebra o cristal, vemos a reprodução do pecado original. Logo depois surgem os filhos e a briga entre Caim e Abel. No velório o que parece absurdo, na verdade é o povoamento da terra, onde os seres humanos começam a desrespeitar a Natureza e o meio ambiente, até que quando os canos da pia estouram, vemos a alusão ao dilúvio. Todo o povo saí, e ela fala “vou cuidar do apocalipse”, em uma clara referência aos livros bíblicos.
O criador tem um novo insight e então surgem mais visitas na casa e dessa vez ela se povoa rápido. Vemos referência à depredação, vandalismo, alteração do meio, guerra, caos, fanatismo religioso… A mãe que sempre é confundida com a filha de Deus, é claramente desrespeitada, tenta controlar tudo e aos poucos, no pulsar do órgão que sente através da parede, vê sua criação morrer. Grávida dá a luz a uma criança, a representação de Cristo, que logo é sequestrado e morto, dando origem a uma das cenas mais chocantes do filme, onde o bebê é comido e despedaçado, representando a comunhão da igreja católica.
A Mãe não aguenta tanto sofrimento e se descontrola causando terremoto na casa e atacando diretamente as pessoas com facadas, que reivindicam agredindo-a, o que representa os desastres naturais e a revolta do povo com a natureza.
Deus salva a Mãe, mostrando amor ao povo, mas também compaixão por ela. Fraca e cansada decide acabar com tudo e incendeia a casa. Neste momento, Deus é o único de pé a sobreviver intacto. Ao socorrer a Mãe, admite que ela seja a própria casa, deixando claro o paralelo entre a figura da esposa e o meio ambiente, ou a mãe natureza, que para se preservar, se autodestrói. Gerando um ciclo infinito de criação, vida e caos.
Outros detalhes como: a naturalidade das roupas de Lawrence, os tons de verde escolhido para as paredes, o fato dela não conseguir sair da casa, não são por acaso e todos se encaixam neste contexto. O filme trás muito o que refletir sobre religiosidade e preservação da natureza.
E vocês curtiram o filme?