Em um lugar e num tempo não tão distante, João da Silva nascia. Sua mãe, a Maria, era só uma menina, tinha apenas 13 quando descobriu a gravidez. Seu namorado, o Jonathan com apenas 16, resolveu largar a escola, e ir trabalhar para sustentar a sua futura esposa e o filho que estava por vir.
Jonathan conseguiu um emprego de auxiliar de mecânico na oficina de um tio. Três meses antes de João nascer, Maria e Jonathan alugaram uma casa num bairro periférico e foram morar juntos. A gravidez não foi tranquila para Maria que passou o período inteiro sofrendo de anemia, e como morava longe dos postos de saúde só fez duas visitas de pré-natal ao médico.
Apesar das circunstâncias adversas, João nasceu bem de saúde. No entanto, por morar numa localidade com esgoto a céu aberto vivia doentinho, o menininho padecia de diarreias constantes. Maria, mãe amorosa sofria muito com isto, o que gerava um clima de tensão e instabilidade no lar, que culminou com Jonathan abandonando a família. O João tinha apenas 6 meses quando viu seu pai pela última vez.
Aos cinco anos ele entrou na escola. No entanto, tinha dificuldade em aprender, foi um dos últimos de sua sala a escrever e ler o próprio nome na lousa. A escola continuou sempre difícil para o João, e aos 14, contra a vontade de sua mãe, ele decidiu largar o colégio e trabalhar para ajudar em casa, pois já não suportava ver as mãos de sua mãe tão calejadas de lavar roupa para fora. FIM.
A partir da história do João é fácil perceber que a pobreza é um fenômeno de múltiplas dimensões. O João foi uma criança pobre não somente por que nasceu numa família com parcas condições financeiras. O João é pobre, primeiramente por que nasceu de uma mãe adolescente , a evidência cientifica informa que mães adolescentes estimulam menos seus filhos, podendo causar assim um atraso no desenvolvimento infantil.
O João é pobre também porque sua mãe ao morar distante dos postos de saúde não conseguiu ter o acompanhamento médico e nutricional adequado através de exames e suplementação de micronutrientes.
O João é pobre porque sua mãe era anêmica provocando quase que certamente anemia nele próprio, induzindo um comportamento letárgico e pouco responsivo prejudicando assim sua interação com o ambiente, e por consequência seu desenvolvimento.
O João é pobre porque não contou com seu pai compondo e tornando seu ambiente mais complexo e estimulante.
Não é difícil compreender através da história do João que a pobreza é um processo autônomo no sentido de que se perpetua a partir dela própria. Isto é, um indivíduo nascido pobre, quase que certamente continuará sendo pobre, porque lhe é ausente o mínimo em termos de condições iniciais necessárias para lutar e conseguir acessar um melhor padrão de vida.
Estudos recentes da neurobiologia vêm corroborar esta predição ao mostrar que a fase crítica para o desenvolvimento humano ocorre nos primeiros 1000 dias após a concepção . É nesta fase que os primeiros neurônios e sinapses se integram na formação dos circuitos primitivos do cérebro humano.
De forma breve, o desenvolvimento do cérebro é semelhante a construção de um edifício. Os primeiros circuitos sinápticos são a base, o fundamento. É sobre os circuitos básicos responsáveis pelo desenvolvimento da linguagem e percepção sensorial que habilidades complexas como ler, escrever e resolver problemas são construídas.
Além disso a neurobiologia ensina que as experiências da criança com o ambiente que as cerca, notadamente formado a partir de seu relacionamento com os pais, modelam e proporcionam qualidade aos circuitos sinápticos básicos. Constituindo assim uma melhor estrutura e fundamento para o desenvolvimento das habilidades mais complexas.
Crianças que sofrem privações nesta fase serão adultos com capacidade cognitiva, emocional e social reduzida, impactando na sua empregabilidade e contribuindo para sua permanência na marginalidade social que a pobreza impõe.
Economistas como James Heckman já demonstraram que políticas públicas voltadas para esta fase são as que possuem a melhor relação custo benefício quando comparadas às direcionadas para jovens e adolescentes. A constatação é que o velho ditado dizendo “é melhor prevenir do que remediar” continua válido.
Outra fonte de perpetuação da pobreza sugerida por uma quantidade crescente de evidência diz respeito ao fato de estar pobre implicar numa diminuição da capacidade cognitiva dos indivíduos. Um estudo recente encabeçado por dois economistas e dois psicólogos através de um experimento natural com plantadores de cana de açúcar na Ãndia mostrou que os mesmos indivíduos desempenham melhor em testes cognitivos após receberem o pagamento pela colheita.
Foi avaliado, considerando um Q.I médio de 100, que o estar pobre reduz a capacidade intelectual em 13 pontos. Isto significa, que a condição ser pobre impõe um fardo mental, induzindo uma ineficiência cognitiva no processo decisório, contribuindo assim para perpetuação e permanência da pessoa na pobreza através de decisões tortuosas.
Por essas e outras razões, o combate à pobreza demanda um esforço continuo, pautado por avaliações constantes dos programas e seus resultados. Devido sua complexidade, o esforço também deve ser multifacetado atingindo os diferentes aspectos perpetuadores de pobreza, habilitando assim, a população no médio e no longo prazo a se declarar livre deste triste fenômeno social e suas mazelas.
Pedro Fernandes é Bacharel e Mestre em Economia.
Atualmente exerce a função de gerente técnico de viabilidade econômica no Plano Ceará 2050.